segunda-feira, 7 de março de 2016

Condução de Lula foi legal‏ - por Lúcio Flávio Pinto

Com seu modo empolado de se expressar, o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, disse que a condução coercitiva contra o ex-presidente Lula foi uma medida desnecessária. "Só se conduz coercitivamente, ou como se dizia antigamente, debaixo de vara, o cidadão que resiste e não comparece para depor. E o Lula não foi intimado", sentenciou ele.
Talvez o ministro não tenha lido o mandado expedido pelo juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba. Convém, por isso, reproduzir na íntegra a decisão do magistrado responsável pela Operação Lava-Jato na primeira instância, por já ser um importante documento da história contemporânea do Brasil, que segue mais abaixo.
Mas é preciso logo destacar um aspecto essencial, porque estritamente técnico, do despacho do juiz:
“O mandado SÓ DEVE SER UTILIZADO E CUMPRIDO, caso o ex-Presidente, convidado a acompanhar a autoridade policial para depoimento, recuse-se a fazê-lo”.
Ou seja: antes de ser conduzido pelos policiais federais que cumpriam a ordem judicial, Lula teve a oportunidade de aceitar a iniciativa e acompanhá-los para depor. Não tendo concordado (detalhe importante que omitiu na sua manifestação de ontem), foi executada a alternativa: obrigá-lo a ir depor.
Significa que a norma processual foi cumprida: só depois de intimidado, o ex-presidente teve que ser levado à força por se ter recusado a depor voluntariamente, atendendo ao convite para depor.
O juiz adotou ainda outra cautela:
“Consigne-se no mandado que NÃO deve ser utilizada algema e NÃO deve, em hipótese alguma, ser filmado ou, tanto quanto possível, permitida a filmagem do deslocamento do ex-Presidente para a colheita do depoimento.
Na colheita do depoimento, deve ser, desnecessário dizer, garantido o direito ao silêncio e a presença do respectivo defensor”.
O ministro Marco Aurélio desdenhou ainda da explicação do juiz de que a condução coercitiva de Lula foi uma medida tomada para, entre outras coisas, evitar a ocorrência de manifestações e confrontos entre militantes pró e contra Lula, indagando: "Será que ele [Lula] queria essa proteção?".
Qualquer leigo sabe que os crimes em investigação pela Lava-Jato são matéria de ordem pública. Dispensam conveniências e interesses das pessoas, exceto no que se relaciona aos seus direitos legais e constitucionais, que não foram violados.
É improcedente a crítica feita por Lula em seu pronunciamento na sede do PT em São Paulo de que "não precisava levar uma coerção à minha casa, dos meus filhos. Não precisava. Era só ter me comunicado".  Ele foi comunicado pela diligência da PF e não aceitou o convite. Caracterizada a intimação, foi conduzido. E depois liberado.
Tudo dentro da lei, portanto.
O problema é que Lula, pouco tempo atrás, defendeu a inimputabilidade de José Sarney, simplesmente por ele ter sido presidente. Os ex-presidentes, segundo essa lógica, seriam cidadãos de classe especial da república brasileira, condição sem qualquer amparo legal. Mas uma interpretação oportuna a que Lula, sempre um passo adiante, plantou para colher agora.
Os desdobramentos do que aconteceu ontem dirão em que terreno essa semente foi jogada.
Segue-se a íntegra da decisão do juiz Sérgio Moro:
DESPACHO/DECISÃO
Autorizei buscas e apreensões pela decisão de 24/02 (evento 4) no processo 5006617-29.2016.4.04.7000  a pedido do MPF.
As buscas estão associadas ao ex-Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva.
Pleiteia o MPF em separado a condução coercitiva do ex-Presidente e de sua esposa para prestarem depoimento à Polícia Federal na data das buscas.
Argumenta que a medida é necessária pois, em depoimentos anteriormente designados para sua oitiva, teria havido tumulto provocado por militantes políticos, como o ocorrido no dia 17/02/2016, no Fórum Criminal da Barra Funda, em São Paulo. No confronto entre polícia e manifestantes  contrários ou favoráveis ao ex-Presidente, "pessoas ficaram feridas".
Receia que tumultos equivalentes se repitam, com o que a oitiva deles, na mesma data das buscas e apreensões, reduziriam, pela surpresa, as chances de ocorrência de eventos equivalentes.
Decido.
A condução coercitiva para tomada de depoimento é medida de cunho investigatório.
Medida da espécie não implica cerceamento real da liberdade de locomoção, visto que dirigida apenas a tomada de depoimento.
Mesmo ainda com a condução coercitiva, mantém-se o direito ao silêncio dos investigados.
Medida da espécie ainda encontra apoio na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, como destacado pelo MPF:
"HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. CONDUÇÃO DO INVESTIGADO À AUTORIDADE POLICIAL PARA ESCLARECIMENTOS. POSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 144, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DO ART. 6º DO CPP. DESNECESSIDADE DE MANDADO DE PRISÃO OU DE ESTADO DE FLAGRÂNCIA. DESNECESSIDADE DE INVOCAÇÃO DA TEORIA OU DOUTRINA DOS PODERES IMPLÍCITOS. PRISÃO CAUTELAR DECRETADA POR DECISÃO JUDICIAL, APÓS A CONFISSÃO INFORMAL E O INTERROGATÓRIO DO INDICIADO. LEGITIMIDADE.OBSERVÂNCIA DA CLÁUSULA CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE JURISDIÇÃO. USO DE ALGEMAS DEVIDAMENTE JUSTIFICADO. CONDENAÇÃO BASEADA EM PROVAS IDÔNEAS E SUFICIENTES. NULIDADE PROCESSUAIS NÃO VERIFICADAS. LEGITIMIDADE DOS FUNDAMENTOS DA PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. ORDEM DENEGADA.
I – A própria Constituição Federal assegura, em seu art. 144, § 4º, às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais.
II – O art. 6º do Código de Processo Penal, por sua vez, estabelece as providências que devem ser tomadas pela autoridade policial quando tiver conhecimento da ocorrência de um delito, todas dispostas nos incisos II a VI.
III – Legitimidade dos agentes policiais, sob o comando da autoridade policial competente (art. 4º do CPP), para tomar todas as providências necessárias à elucidação de um delito, incluindo-se aí a condução de pessoas para prestar esclarecimentos, resguardadas as garantias legais e constitucionais dos conduzidos.
IV – Desnecessidade de invocação da chamada teoria ou doutrina dos poderes implícitos, construída pela Suprema Corte norte-americana e incorporada ao nosso ordenamento jurídico, uma vez que há previsão expressa, na Constituição e no Código de Processo Penal, que dá poderes à polícia civil para investigar a prática de eventuais infrações penais, bem como para exercer as funções de polícia judiciária.
(...)"
(HC 107644, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma do STF - por maioria, j. 06/09/2011, DJe-200, de 18/10/2011).
Embora o ex-Presidente mereça todo o respeito, em virtude da dignidade do cargo que ocupou (sem prejuízo do respeito devido a qualquer pessoa), isso não significa que está imune à investigação, já que presentes justificativas para tanto, conforme exposto pelo MPF e conforme longamente fundamentado na decisão de 24/02/2016 (evento 4) no processo 5006617-29.2016.4.04.7000.
Por outro lado, nesse caso, apontado motivo circusntancial relevante para justificar a diligência, qual seja evitar possíveis tumultos como o havido recentemente perante o Fórum Criminal de Barra Funda, em São Paulo, quando houve confronto entre manifestantes políticos favoráveis e desfavoráreis ao ex-Presidente e que reclamou a intervenção da Polícia Militar.
Colhendo o depoimento mediante condução coercitiva, são menores as probabilidades de que algo semelhante ocorra, já que essas manifestações não aparentam ser totalmente espontâneas.
Com a medida, sem embargo do direito de manifestação política, previnem-se incidentes que podem envolver lesão a inocentes.
Por outro lado, cumpre esclarecer que a tomada do depoimento, mesmo sob condução coercitiva, não envolve qualquer juízo de antecipação de responsabilidade criminal, nem tem por objetivo cercear direitos do ex-Presidente ou colocá-lo em situação vexatória.
Prestar depoimento em investigação policial é algo a que qualquer pessoa, como investigado ou testemunha, está sujeita e serve unicamente para esclarecer fatos ou propiciar oportunidade para esclarecimento de fatos.
Com essas observações, usualmente desnecessárias, mas aqui relevantes, defiro parcialmente o requerido pelo MPF para a expedição de mandado de condução coercitiva para colheita do depoimento do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Evidentemente, a utilização do mandado só será necessária caso o ex-Presidente convidado a acompanhar a autoridade policial para prestar depoimento na data das buscas e apreensões, não aceite o convite.
Expeça-se quanto a ele mandado de condução coercitiva, consignando o número deste feito, a qualificação e o respectivo endereço extraído da representação.
Consigne-se no mandado que NÃO deve ser utilizada algema e NÃO deve, em hipótese alguma, ser filmado ou, tanto quanto possível, permitida a filmagem do deslocamento do ex-Presidente para a colheita do depoimento.
Na colheita do depoimento, deve ser, desnecessário dizer, garantido o direito ao silêncio e a presença do respectivo defensor.
O mandado SÓ DEVE SER UTILIZADO E CUMPRIDO, caso o ex-Presidente, convidado a acompanhar a autoridade policial para depoimento, recuse-se a fazê-lo.
Em relação ao pedido de condução coercitiva de Marisa Letícia Lula da Silva, indefiro. Em relação a ela, viável o posterior agendamento do depoimento com a autoridade policial, sem que isto implique maior risco à ordem pública ou a terceiros.
Ciência ao MPF e à autoridade policial.
Curitiba, 29 de fevereiro de 2016".
Fonte: https://lucioflaviopinto.wordpress.com/2016/03/05/conducao-de-lula-foi-legal/

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